segunda-feira, janeiro 02, 2012

Entre pampas e montanhas

Eu nunca entendi muito bem a relação entre mineiros e gaúchos. Verdade é que também nunca tinha atentado para ela.
Acontece que, há uns meses, encontrei uns bons amigos em Porto Alegre, que me fizeram lembrar outros bons amigos gaúchos (só que do interior).
O primeiro amigo que encontrei no Rio Grande do Sul "aconteceu" da mesma forma que todos os que lhe dariam sequência aconteceriam, quando eu ainda nem imaginava. Foi uma amizade tão óbvia, tão simples, que não foram necessárias muitas apresentações. Ficamos amigos e pronto.
Em Minas, "dois dedos de prosa" com um mineiro e ele te convida para a festa de aniversário dele, que será em casa mesmo, só "pros mais chegados". E o convite vem acompanhado de um "cê num repara não!" porque "é tudo muito simples".
No Rio Grande do Sul, em três minutos de conversa com um gaúcho, mais três deles aparecem pra oferecer "boas vindas" ao novo colega e curtirem um pouco o dialeto forasteiro do mais novo melhor amigo de infância dos quatro gaúchos.
Gaúchos e mineiros têm uma hospitalidade diferente das outras partes do Brasil, talvez aí more a afinidade entre vinhos e queijos.
Então inicia-se o estreitamento de laços. Como todo mundo sabe, o mineiro é desconfiado; sendo assim, aponta pontos turísticos que mais gosta em Minas e locais próximos aos que costuma frequentar, mas nunca os lugares onde, de fato, pode ser encontrado.
O gaúcho, por outro lado, não é desconfiado mas é turrão. Nada de locais e mapas, contatos diretos apenas virtuais, porém apresenta todos os membros da família, grupos de amigos e do trabalho. O gaúcho deve ser aquela figurinha que carrega fotos na carteira, antes de qualquer outra coisa.
Como pode-se ver, o mineiro e o gaúcho se preservam e se dispoem com a mesma intensidade. Ambos têm o coração esfrangalhado, porém duro na queda.
Perceba as formas que as palavras tomam nas bocas mineiras e gaúchas: Os dois dialetos fluem tranquilos, de vagar, deliciando-se em cada palavra reinventada, curtindo o silêncio após cada frase. As expressões "sumercado" em vez de "supermercado" e "tudibom" em vez de "tudo de bom" são comuns aos dois brasileiros. Palavras partidas, sem bordas, costuradas entre si. Coisa de quem precisa falar muita coisa. Então cortam-se os excessos, fica só o essencial (cerca de seis folhas frente/verso, prefácio e posfácio). Assim são mineiros e gaúchos.
Gente boa, gente do bem. Apreciadores das tradições regionais, mesmo que mínimos (ou nada) seguidores delas. Um mineiro pode até chegar ao cúmulo de não saber fazer pão de queijo, mas nunca nega apetite quando vê um (ou uma fornada). O mesmo acontece para o gaúcho e seu chimarrão.
Somos ativistas do "Make tea. Not war.", "Tá nervoso? Vai pescar!", mas cuidado: Mãe e futebol são sagrados. Perde-se a mansidão gaúcho-mineira se alguém desonrar estes doi tesouros.
E, por falar em mansidão, somos também "bem mansinhos" - expressão que, em Minas, diz de quem é terno, afável, se apega facilmente. Mineiros e gaúchos têm mais essa característica em comum: chegamos de vagar, de mansinho, ficamos amigos e, noutro instante, irmãos de sangue! Somos todos muito tratáveis (não tratantes, tratáveis!), muito dóceis. Talvez por isso a hospitalidade e a graça de ambos.
Enfim, acho mesmo que um antepassado comum poderia ter perdido um dos filhos na viagem, ou mandado para longe, para um parente distante criar. Assim parte da família foi morar em Minas e outra parte no Sul. Seria uma ilustração legal pra justificar a empatia que temos. Pampas e montanhas são muito diferentes! Nenhuma justificativa realista poderia explicar essa identificação.
Diferenças? Temos aos montes! Mas não vim falar delas.
Há, sem dúvida, muitas outras semelhanças, mas este post precisa ter fim (e tentar não ser um livro. Pelo menos não, por enquanto).
Seria exagero dizer que mineiros são gaúchos montanhenses? E que gaúchos são mineiros bordados de ouro (das Minas!) e azul? É, seria. Seria sim. Mas acho que tudo bem, também temos fama de exagerados.


Para meus queridos Paula Berlowitz, Ricardo Cury, João Textor (Johnzinho \o/) e demais amigos de Carazinho e do La Fiorentina POA, com carinho.